curiosidades sobre o bolinho de chuva
- Cozinha da Lívia
- 13 de mai. de 2020
- 5 min de leitura
Você é fã de história como eu sou também? Acredito que a história da alimentação conta muito sobre a origem de um povo, de um país, de uma receita e muito mais!
Afinal para entendermos quem somos como cultura, cidadãos, país e nação podemos começar entendendo sobre as nossas origens através de ingredientes, forma de preparo das mais diversas receitas e a forma como comemos.
Conheça então as possíveis origens dessa receita que marcou a infância de muita gente, assim como a minha também!

Em Portugal, na época moderna, o açúcar, os condimentos e as especiarias encorajaram o crescimento da indústria doceira que encontrou nos conventos sua origem por excelência. Entre fins do século XV e início do século XVI, foi escrita a mais antiga obra da cozinha portuguesa “O Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal”. O manuscrito histórico foi levado pela infanta, neta do rei português Manuel I, a Bruxelas por ocasião de seu casamento com o duque de Parma em 1565 (CÂNDIDO, 2016, p.61).
Nessas páginas antigas, encontram-se receitas com as formas de preparo, as técnicas, os utensílios, as tendências e os gostos quinhentistas portugueses. Na seção dedicada aos Manjares de Leite, há três receitas doces: manjar branco, tigelada de leite e beilhós de arroz. A receita da tigelada de leite, que pode ser preparada com arroz, assemelha-se ao tradicional arroz-doce e a receita de beilhós de arroz é igual aos Sonhos de Natal preparados nessa festividade no norte de Portugal, conforme Cândido (2016).
Nesse mesmo período da história, as grandes navegações fizeram Cabral aportar no Brasil e, com ele, os primeiros ingredientes e técnicas da culinária portuguesa espalharam-se. Aos índios os portugueses ensinaram o hábito de criar animais, de cozinhar e conservar os alimentos com o sal, mas, aos poucos, a cozinha portuguesa foi abrasileirando-se com ingredientes da nova terra. Mais tarde, com a fundação dos engenhos de cana de açúcar, as receitas de doces e compotas trazidas do Velho Continente tornaram-se abundantes. A esse respeito, Dória (2014) declara:
Tem razão, tanto Gilberto Freyre quanto Câmara Cascudo, ao frisarem a autêntica contribuição da doçaria conventual para a culinária brasileira, visto que nem os índios nem os negros conheciam o açúcar – produto por excelência, da empreitada colonial portuguesa. Este, por sua vez, marcou toda a cozinha mundial, pois a produção do açúcar em quantidade – e não mais como especiaria – permitiu, notadamente após a Revolução Industrial, que ele se deslocasse do terreno dos temperos ou condimentos para o alimento propriamente dito, tornando-se essencial à dieta urbana europeia. É a essa história que devemos o excesso de açúcar em nossa doçaria atual, sobretudo nas compotas e nas receitas derivadas do uso do ovo. (...) Também aqui, como na doçaria conventual, o doce esteve sempre associado à hospitalidade, à celebração, constituindo elemento de hierarquização e distinção social (DORIA 2014, p. 53).
Na segunda década do séc. XVII, pela mão da mulher portuguesa aparece a sobremesa, preparam-se receitas com açúcar, ovos, canela, leite e manteiga. “Surgia agora nas mesas a sedução dos bolos e massas douradas, recobertos pelas camadas de ovos batidos, folhados, fartéis, beilhós, filhós, sonhos” (CASCUDO, 2004, p. 241).
A preparação de receitas doces e festivas torna-se parte dos hábitos e cultura brasileiros “pelo interior e nas capitais das províncias as famílias forneciam-se reciprocamente os doces e bolos para as festas habituais” (CASCUDO, 2004, p. 596). Entretanto, por um longo período, usam-se a goma da mandioca (carimã) e o fubá como substitutos à farinha-do-reino nos doces e na bolaria, pois a farinha de trigo só se populariza, em solo brasileiro, a partir do séc. XIX, conforme nos confirma o autor:
(...) desta carimã e pó dela bem peneirado fazem os portugueses muito bom pão, e bolos amassados com leite e gemas de ovos, e desta mesma massa fazem mil invenções de beilhós, mais saborosos que de farinha de trigo (...) (CASCUDO, 2004, p. 594).
Para resgatar historicamente a cultura gastronômica de uma nação, recorre-se à literatura, em especial, aos livros de receitas. Segundo Santana (2016), a obra Cozinheiro Imperial Ou Nova Arte Do Cozinheiro E Do Copeiro Em Todos Os Seus Ramos, publicada em 1840, é a primeira referência da culinária brasileira, mas trata-se de uma compilação quase completa de dois outros livros de culinária portugueses: a Arte de Cozinha, de Domingos Rodrigues, de 1680, e o Cozinheiro Moderno ou a Nova arte de cozinha, de Lucas Rigaud, cozinheiro de D. Maria que foi produzido um século depois. O autor do Cozinheiro Imperial, nomeado apenas com as iniciais R.C.M, pretende apresentar um tratado culinário com a utilização de produtos nacionais. A apresentação das receitas segue, no entanto, a ordem de serviço dos pratos da cozinha à mesa: primeiro as sopas, depois as carnes de todos os tipos, os mariscos, os legumes, os molhos, os ovos, o leite, as massas e, por fim, os doces. Nota-se que as receitas são exibidas em um único texto e, a partir da página 296, estão dispostas as receitas de doces. Na página 305, há a receita de Sonhos de Forma que se assemelha também à receita do Sonho de Natal português.
Anos após a publicação do Cozinheiro Imperial, é publicado o Cozinheiro Nacional, aparentemente entre 1874 e 1888, a obra visa apresentar receitas elaboradas com insumos e ingredientes que fossem encontrados no Brasil. Observa-se que, no capítulo dedicado aos doces, há a receita número 40 - Sonhos fritos, análoga à receita do bolinho de chuva atual e já, na época, servido como acompanhamento do café:
Toma-se meio prato de fubá mimoso, que se escalda com três xícaras de leite fervido, um pouco de sal e uma colher de açúcar ; amassa-se bem, e misturam-se dez ou mais ovos para formar uma massa mole; com uma colher tiram-se pequenas porções, que se deitam em uma frigideira, onde se acha gordura quente. continua-se até acabar a massa e tendo coberto os sonhos de açúcar e canela, servem-se para café (Cozinheiro Nacional, 2008, p. 405).
Acredita-se que o Bolinho de Chuva brasileiro derive da receita do Sonho de Natal português. Observa-se, entretanto, que há duas diferenças quanto ao modo de preparação: na receita original portuguesa, a farinha é cozida no tacho antes da fritura, enquanto, na receita de Bolinho de Chuva, a farinha é misturada aos outros ingredientes e a massa crua é diretamente levada à fritura.
Outra receita de sonhos encontra-se no livro Dona Benta: comer bem, de 1940, que foi organizado por diferentes autores e possui, hoje, por volta de 1500 receitas. Sua primeira edição vendeu 20 mil livros e, nesses 79 anos de história, o livro tornou-se o número um nos lares brasileiros, atingindo a marca de mais de um milhão de cópias vendidas. Ao longo dos anos, obviamente, passou por renovações e atualizações necessárias para que se mantivesse vivo. O nome do livro foi inspirado na personagem de Dona Benta, a bondosa vovó de Pedrinho e Narizinho, na famosa obra de Monteiro Lobato Sítio do Pica-pau Amarelo. O objetivo da compilação era de que as brasileiras pudessem se interessar pelas receitas preparadas pela personagem de Lobato, mas, ironicamente, é Tia Nastácia a maior quituteira de todos os mundos.
A obra traz uma série de receitas de sobremesas, pois, afinal, a predileção por doces das brasileiras é uma herança da cultura portuguesa. No capítulo dedicado aos bolinhos, a receita de Sonhos do Pobre é praticamente idêntica àquela do Bolinho de Chuva que se aprecia atualmente (BENTA, 2013, p. 853).
Nessa pesquisa bibliográfica, não foi encontrada, portanto, nenhuma alusão ou relato específico em relação ao nome Bolinho de Chuva propriamente dito. Entretanto, duas hipóteses quanto à sua origem foram recorrentes: a primeira daria conta de que a receita seria preparada em dias chuvosos e a segunda seria a forma de gota de chuva que o bolinho ganharia em contato com o óleo de fritura.
Esse texto foi retirado do trabalho acadêmico:
OS SENTIDOS E A COMIDA TRAZEM LEMBRANÇAS
“Bolinho de Chuva”
Realizado por mim Lívia em parceria com minha colega Adriana Krebs - quem é responsável pelo texto e pesquisa bibiliográfico acima.
Espero que tenham gostado desse contexto histórico e das possíveis origens dessa receita deliciosa!